Número de consultas psiquiátricas pelos planos de saúde sobe 20% em dois anos

Número de procedimentos registrados pelos convênios médicos voltados à saúde mental têm crescido em ritmo muito superior à média dos demais tratamentos, aponta pesquisa.

O estresse e a ansiedade já faziam parte do dia a dia da comissária de bordo Carla (nome fictício), de 38 anos, há anos. Sempre ocupada, ela nunca deu grande importância para o problema. Quando o filho nasceu, em 2018, os sintomas, até então leves, se agravaram, levando Carla, em junho, a uma crise nervosa que a fez jogar o bebê-conforto com o filho no chão.

“Ele já tinha nove meses e praticamente não dormia. Eu estava sozinha, sem ninguém para me ajudar a cuidar dele, sem dormir há dias, já tinha procurado vários profissionais e nenhum soube como me ajudar. Então eu tive essa crise”, conta.

Por sorte, o bebê não teve nenhum ferimento e a crise aconteceu dentro de uma clínica médica do plano de saúde de Carla. No local, ela foi imediatamente atendida por uma equipe de saúde mental estabelecida no espaço há alguns meses justamente com o objetivo de dar um atendimento mais especializado para pacientes com transtornos mentais, demanda crescente entre as operadoras de saúde brasileiras.

Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que, o número de procedimentos registrados pelos convênios médicos voltados à saúde mental têm crescido em ritmo muito superior à média dos demais tratamentos.

Enquanto as consultas médicas como um todo cresceram apenas 0,5% entre 2016 e 2018, o número de atendimentos com psiquiatras saltou 19,5% no mesmo período. Alta ainda maior foi observada nas sessões de psicoterapia, que aumentaram 35,6%.

As internações psiquiátricas, indicadas geralmente para pacientes com quadros mais graves, também aumentaram. No ano passado, foram 196,3 mil atendimentos do tipo ante 157,4 mil em 2016, alta de 24,7%. No mesmo período, as internações gerais feitas por planos cresceu apenas 3,8%.

Programas especiais

O quadro já faz alguns planos de saúde, como o de Carla, criarem programas especiais voltados para saúde mental, com ações direcionadas tanto a pessoas que sofrem com os transtornos mais comuns, como depressão e ansiedade, quanto para pacientes com quadros como autismo e síndrome de Down.

Maior operadora do País, a Amil implementou, em oito de suas unidades próprias de atendimento básico, equipes de saúde mental formadas por um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social. “Esses profissionais auxiliam os médicos da família, responsáveis pelo acompanhamento de rotina, e também atendem pacientes encaminhados por ele”, explica Nulvio Lermen Junior, diretor técnico de atenção ambulatorial da Amil.

“O aumento de transtornos psiquiátricos é um problema muito relevante. Afeta a vida da pessoa em vários aspectos: diminui a qualidade de vida e a produtividade no trabalho, aumento o risco de suicídio e de internação e afeta todo o núcleo familiar, por isso que os planos precisam prestar atenção nisso.”, diz.

Somente neste ano, as oito clínicas da Amil que contam com equipe de saúde mental já atenderam cerca de 1,6 mil pacientes dentro do programa, dos quais 512 estavam em situação de crise, como foi o caso de Carla. Depois do episódio, ela começou a tomar medicação para ansiedade e passa por psicoterapia semanalmente. “Acabou facilitando o meu tratamento ter os vários profissionais no mesmo local”, conta.

A Care Plus, operadora com foco no segmento premium, também decidiu investir em um programa de saúde mental. Lançou em julho iniciativa que oferece aos beneficiários uma central telefônica 24 horas com uma equipe de psicólogos que fazem um primeiro atendimento e direcionam o paciente aos serviços necessários.

A empresa criou ainda um programa focado em crianças e adolescentes com condições como o autismo. “A ideia é que o paciente e todos os seus familiares tenham apoio psicológico e autorização facilitada para as terapias necessárias”, explica Ricardo Salem, diretor médico da Care Plus. A Amil também lançará nas próximas semanas programa voltado a autistas.

De acordo com as empresas, o investimento no atendimento especializado de saúde mental não só melhora a qualidade de vida dos usuários como diminui o risco de complicações – ruins para o doente, mas também para o plano, que, nesses casos, tem mais gastos.

A preocupação das operadoras com essa demanda teve reflexo no número de programas de prevenção e promoção de saúde cadastrados pelos convênios junto à ANS. Entre 2016 e este ano, as iniciativas do tipo passaram de 31 para 42.

 

‘Só tinha vontade de chorar, sumir, morrer, me machucar’

 

Foi só quando começou a cortar a própria pele que a operadora de telemarketing Rejane Oliveira Guilhermino dos Santos, de 28 anos, se convenceu que precisava de ajuda médica. Já fazia pelo menos dois anos, desde que perdeu a guarda do filho para o ex-marido, que ela sentia uma tristeza frequente, mas pensava que o sentimento seria passageiro.

“Percebi que as coisas estavam piorando quando comecei a me isolar das pessoas. Só sentia vontade de chorar, de sumir, de morrer, de me machucar. Mas não imaginava que o que eu tinha era depressão”, conta ela.

Após crises em que se automutilava, Rejane decidiu marcar uma consulta no médico da família que a acompanha pelo plano de saúde.

“Foi ele que me encaminhou para a psiquiatra e para a psicóloga. Daí passei a entender que era um problema que precisava de tratamento. Foi bom ter esse atendimento especializado porque, entre colegas, cheguei a sofrer preconceito. No trabalho, me disseram que eu não precisava de licença, que tudo isso era frescura”, conta ela.

A analista de relacionamento Sabrina (nome fictício), de 27 anos, também preferiu recorrer a um auxílio profissional durante uma crise de depressão em um fim de semana. “Como o plano oferece a central telefônica com psicólogos, preferi ligar nesse telefone do que desabafar com amigos ou familiares. Alguns não compreendem o problema em sua totalidade, é melhor falar com alguém especializado”, conta ela.

Ela diz que já faz tratamento para depressão há alguns anos, mas que, quando tinha pioras aos fins de semana, não sabia como agir. “Eu ficava sem ter o que fazer porque é mais difícil conseguir atendimento. Agora, quando vejo sinais de piora, eu já falo com a psicóloga da central. Ela respeita o meu espaço, às vezes quero falar só por mensagem e ela me ajuda”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

Fonte: NDmais